14 novembro, 2024


 

CAPÍTULO EM LIVROS

20 outubro, 2024

     

 

LIVROS PUBLICADOS

20 outubro, 2024

177x242                   

 

Timidez

18 outubro, 2024


 

"Conta uma antiga lenda árabe que certa vez se dirigia a Peste a Bagdá 


Um viajante pergunta-lhe no caminho:

- Para onde vais?

-Vou a Bagdá matar 5000 pessoas, respondeu a Peste.

Dias depois, novo encontro...

Pergunta o mesmo peregrino:

-Por que me disseste que irias matar 5000 pessoas, ó Peste?

Morreram 50.000 criaturas em Bagdá...

- O que disse isso fiz. Só matei 5000.

 O resto morreu de medo - respondeu a Peste, com um gesto significativo."

 

 

 

 

         O medo é um sentimento natural cuja função é nos proteger daquilo que realmente oferece perigo à nossa integridade física ou psíquica.

         No entanto, não é incomum que muitas pessoas sintam um medo inexplicável, até mesmo paralisante, particularmente nas situações de abordagem interpessoal.

         Escondida atrás do estigma de “timidez” está o medo que leva muita gente a evitar encontros e fugir de relações afetivas.

         Mas, medo de que?

         Este medo inconsciente pode ter suas origens na infância da pessoa, principalmente se foi criada em um meio muito agressivo em que foi vítima de castigos ou testemunha de brigas violentas entre seus pais.

         Há também os casos de crianças que, por um motivo ou outro ou mesmo sem motivo algum, foram vítimas do que hoje se chama “bulling”, que é aquela terrível situação de se ver encurralada por seus colegas de escola, sofrendo ameaças ou apenas chacotas e exclusão dos grupos formados.

         Esta criança cresce acreditando que o mundo lhe é particularmente hostil e teme que, em um novo encontro, possa ser mais uma vez vítima da agressão e da humilhação.

         Sua auto-estima é baixa e, portanto, sente-se vulnerável a um simples “não” que é sentido como a mais profunda rejeição, fazendo eco em seu psiquismo com aquele passado sombrio.

         Antes mesmo de se aproximar de alguém, soa em sua mente como que um “alarme” avisando-o que há um perigo à frente. A reação, portanto, é a evitação, a fuga e, consequentemente, a solidão.

         A profunda crença inconsciente de que será sempre rejeitado ou agredido pode, por outro lado, levar a pessoa a ter atitudes arrogantes e agressivas (afinal, há quem acredite que “a melhor defesa é o ataque”) e assim receber como resposta atitudes realmente de hostilidade perante seu comportamento, o que gera um círculo vicioso, confirmando e cristalizando mais ainda a crença de que será sempre hostilizado.

         Muitos tímidos acabam passando por arrogantes, quando, na verdade, estão apenas se protegendo destes “fantasmas” do passado projetados na situação atual.

Assim, é importante para a pessoa que se percebe com medo de “chegar” em uma abordagem interpessoal, que ela faça uma profunda reflexão sobre os reais motivos que a impedem desta aproximação.

Por ironia, só se vence o medo fantasioso enfrentando a realidade e correndo o risco da frustração, que, por sua vez, se bem trabalhada e entendida, poderá trazer à tona os verdadeiros motivos do fracasso.

Um “não” que pode se apresentar como uma “bomba” no psiquismo pode também abrir as portas para o autoconhecimento e a reformulação da postura perante a vida e as pessoas.

O mundo, de fato, não é um “mar de rosas” que estará sempre de braços abertos para acolher quem quer que chegue. Mas é preciso tentar, enfrentar, insistir.

Afinal, não é preciso ter medo, basta ter cautela e saber avaliar cada situação a cada momento e viver o “jogo da vida”, em que se ganha e se perde, mas é por demais importante nunca perder por “W.O.”

         Não é fácil vencer uma timidez, mas é fundamental não se fazer refém dela.

         Libertar-se do medo, respeitando os limites do ponderável, permitirá ao tímido, o intimidado, aprender a agir na vida como um Ser Humano e não como um rato acovardado!

          

 

Ciúmes é prova de amor? *

18 outubro, 2024


Despreza-se um homem que tem ciúmes da mulher, porque isso é testemunho de que ele não ama como deve ser, e de que tem má opinião de si próprio ou dela.  Descartes

Recentemente, a mídia tem acompanhado inúmeros casos de agressão passional. O crime passional, indices espantosos de feminicídio, agressões de todo tipo, principalmente contra mulheres são explicadas pelos agressores como "amor excessivo! "

Mas o ciúme é prova de amor?

Nessas horas, penso pelo ciúme, envolveu o pobre Hércules na saga do 12 trabalhos. Isso só para citar um dos casos que não foram, de longe, provas satisfatórias de amor. E se entre é deuses é assim, imagine o que o ciúme faz com os pobres mortais.

Primeiro, enganado está quem pensa que ciúmes é tudo igual. Zelar pelo relacionamento é bem diferente de ter a certeza de uma traição, por exemplo. E nisso reside o abismo entre a felicidade de estar com o outro e a paranóia. Questionado sobre o motivo das agressões, o psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos falou sobre as gradações do ciúme:

ZELOSO: Quando existe a genuína preocupação pelo bem-estar do companheiro.

              ENCIUMADO: Quando ameaçada, a pessoa entra em competição com a fonte de eu medo.

                CIUMENTO: Não há razões concretas para desconfianças, mas fica-se pensando na traição.

                DOENTE: A fantasia se torna um delírio e a pessoa tem certeza de que está sendo traída.

Então, se o ciúme se traduzir em cuidado, tudo bem.  Entretanto, o que a gente entende como zelo pode ser o cerceamento da liberdade de outrem. Um bom caminho é se perguntar se o apego é motivado pelo bem-estar do outro ou de si próprio. Se houver o sentimento de ameaça ou competição, cuidado.

Mas para quem tem ciúmes, a linha entre o cuidado e a fantasia doente é muito tênue.  E nem sempre ele atenta parofato de que fantasiar com a traição que pode torná-la realidade. É o que se chama de profecia auto-realizadora. Definitivamente, enviar mensagens de insegurança e desconfiança não é o melhor caminho. Que tal flores ou um SMS apimentado?

Por outro lado, muitas pessoas se envaidecem de forma infantil com o ciúme. Assim, se você é alvode ciúme, procure desenvolver uma relação madura sem perder tempo com joguinhos cujas consequências podem ser violentas. É muito mais divertido do que ficar fuçando orkut e celulares.

Na dúvida, nunca alimente  tal sentimento. Não se trata de uma prova de amor, mas sim de desconfiança. É um desrespeito para com todos os envolvidos numa relação. A ausência do ciúme pode significar que seu parceiro confia (de verdade) coisa pode ser mais afrodisíaca que isso.

*Publicado Originalmente  em Opinião, Poliamor 

 

 

CIÚME: Tempero ou Veneno?

18 outubro, 2024

Nossa cultura latina costuma associar ao sentimento de ciúme uma manifestação clara de amor e cuidado entre  parceiros de um relacionamento afetivo.

         Mas, será isto mesmo verdadeiro?

         Os declarada ou veladamente ciumentos afirmam que sim e ficam até constrangidos e revoltados quando as evidências em contrário demonstram o egoísmo e a possessividade escondidos neste verdadeiro “monstro dos olhos verdes”, como o chamou Shakespeare.

         A própria origem da palavra ciúme em português, derivada do grego “zelus”, transformada em “zelumen” no latim faz pensar, como disse Sto. Agostinho, no século XIV, “Qui non zealat non amat” (Quem não sente ciúme não ama).

         Mas será o ciúme e não o zelo, a verdadeira prova de amor?

         Zelar, cuidar, proteger tem uma conotação bastante diferente de sentir ciúme, pois, no zelo, um sentimento altruísta (voltado para o outro) a pessoa está muito mais preocupada com o bem-estar de seu parceiro do que de si mesma.

         Já o ciumento, prisioneiro de uma dor amarga em seu peito, sofre com as sombrias desconfianças de que possa ser traído ou mesmo abandonado pelo outro o que caracteriza um sentimento voltado para si, para sua dor, para seu orgulho, portanto, um sentimento egoísta.

         Será o amor egoísta? Será o amor possessivo? Será o amor marcado pela dor da desconfiança e do medo?

         A palavra alemã para ciúme é Eifersucht e significa literalmente vício (ou doença) que arde. E parece ser assim que este sentimento se manifesta: uma dor que aperta o coração e causa tanto dissabor em uma relação afetiva.

         É muito comum, em nosso meio, observar pessoas que defendem este sentimento não em si mesmas, mas sim no outro, acreditando que suas manifestações demonstram o amor sentido que querem crer serem agraciadas.

         Mal conseguem perceber que as ditas manifestações de ciúme revelam uma possessividade, uma tentativa de controle e aprisionamento que só o tempo acaba revelando e que, no extremo, levam a uma verdadeira falta de liberdade para ser e realizar seus próprios desejos.

         Para muitos, o sentimento inconsciente de fragilidade exige uma proteção externa e assumir uma relação com quem manifesta este “poder” é um alívio para suas inseguranças e temores perante a vida. Porém, à medida que se cresce emocionalmente e procura encontrar sua própria individualidade se vê restringida neste direito e escravizada pelo até então seu “protetor”.

         Não são poucos os casos de pessoas que se vêem obrigadas a abandonar velhas amizades, velhos hábitos, renunciarem a sonhos, estudos e empregos por imposições ciumentas de seus parceiros.

         Isto acompanhado de desconfianças e controle sobre suas vidas que, invariavelmente, culminam em discussões e mais discussões, quase sempre marcadas pela violência verbal ou, mesmo, física.

         O que falar, então, da violência moral ao ter sua privacidade violada ao ter bolsos e bolsas revirados, celulares vasculhados à procura de nomes e telefonemas de desconhecidos, e-mails devassados e constantes exigências de explicações para qualquer atitude que seja julgada como suspeita pelo outro?

         Sofre-se e muito com isto tudo!

         E quem sente o ciúme?

         Viver constantemente ameaçado também não é nada agradável.

A ameaça a si mesmo, verdadeira ou não, gera a resposta fisiológica habitual às situações de agressão comuns no estado de estresse.

O curioso no sentimento de ciúme é que se trata de um conflito absolutamente intrapsíquico, cuja característica fundamental é a disfuncionalidade do sentimento, pois, por definição, baseia-se exclusivamente na fantasia do ciumento derivada de alterações competitivas em seu “mundo interno”.

Quem vive mergulhado na angustiante fantasia de que pode ser traído ou abandonado, muitas vezes não se dá conta de que, sofrendo, lança mão de artifícios para “aprisionar” seu parceiro em uma verdadeira “gaiola de ferro”.

É comum ouvirmos as expressões “você é a minha vida”,” encontrei a outra ‘metade da laranja”, “eu não vivo sem você” e tudo isto pode parecer, de início uma maravilhosa entrega afetiva que encanta e seduz. Mas, com o decorrer do tempo, se algo ameaça esta outra metade de si mesmo ou sua própria vida, o sentimento de dor que surge pode manifestar-se de forma profundamente desastrosa, desencadeando as brigas, agressões morais, verbais, físicas e, no limite, os diariamente citados na crônica policial “crimes passionais”.

Assim, ao cabo e a termo, parece-me que não dúvidas: o ciúme é mesmo um VENENO!

 

Tempos de Solidão

18 outubro, 2024


“ A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”

                                                                                                                                                                                                                                                              Vinícius de Moraes

Sempre foi muito freqüente esta queixa, mas nos últimos tempos tem sido de chamar a atenção, o número grande de pessoas que procuram um consultório de psicoterapia carregando as amarguras de uma vida solitária.

Seja o adolescente, no frescor de seus 16, 17 anos; seja a mulher beirando os 30, 40 anos, no auge de sua vida profissional ou, ainda, aquela mulher de 52, 54 anos, já com os filhos criados e estabilidade social, passando pelo executivo entrando na meia idade, todos trazem a mesma queixa: sentem-se solitários!

E o que espanta mais é que não importa se são casados ou solteiros, se vivem efetivamente só ou não. Todos sentem falta de um outro alguém com quem possam, de fato, compartilhar os momentos bons e ruins de sua vida.

Os solteiros e mais jovens, atribuem à sua timidez ou à falta de disposição dos outros a responsabilidade por este estado solitário.

O menino de 16 anos afirma não saber como “chegar” numa garota e temer “levar o fora”. A menina/mulher queixa-se das más intenções dos homens, que, para ela, parecem não querer nada sério e só “pensam naquilo”!

Aqueles que estão no auge de suas vidas profissionalmente falando, não encontram tempo (esta palavrinha mágica) para disponibilizar encontros ou relações afetivas. O corre-corre do cotidiano é usado como uma desculpa absolutamente plausível já que a competição no trabalho exige uma dedicação sem precedentes.

Os de mais idade, que já não têm nem a timidez, nem a correria do dia-a-dia e nem mesmo a falta efetiva de um(a) companheiro(a) como desculpas, sentem um vazio interior insuportável, pois queixam-se de não terem “eco” para suas palavras e não saberem como manter um diálogo verdadeiro com seus parceiros.

Enfim, não importa a idade, o “estado civil”, a condição social, todos estão vivendo momentos absolutos de solidão. A Internet e suas diversas salas de bate-papo estão permanentemente lotadas por pessoas que buscam companhia em uma imagem virtual sem toque, nem rosto, nem afeto. E muitas destas pessoas que estão “vivamente” batendo papo num chat pela Internet, têm seu companheiro na sala ao lado, dormindo ou assistindo televisão.

O que está acontecendo realmente? Por que as pessoas estão tão distantes das pessoas?

A meu ver, são muitos os fatores que concorrem para isto, inclusive os já citados como desculpas, mas há uma questão fundamental que me parece estar no centro desta vivência atual: a tal da individualidade!

Mas, como assim? Não se tem falado tanto da importância de se ter a própria individualidade, o seu próprio EU? Terapeutas e psicólogos não estão presentes a todo momento em inúmeros programas de televisão afirmando a necessidade imperiosa de se ter a si mesmo muito bem definido como uma questão primordial de sobrevivência?

Sim, sim, sim! É verdade!

Mas também é verdade que muitas pessoas, na busca ansiosa por sua individualidade, enveredaram por um caminho paralelo, o individualismo.

Individualidade e individualismo são coisas diferentes. Absolutamente diferentes.

Enquanto o individualismo se fecha em si mesmo, gerando o egoísmo, a individualidade traz em si o conceito da sua própria identidade e, necessariamente, da identidade do outro.

Ser EU não significa excluir o outro da minha vida, mas sim evitar que ele seja a minha vida, permitindo, porém, que ele participe dela.

O medo que toma certas pessoas de ter um outro inserido na estrutura de si mesmos, leva-as a mantê-los afastados completamente, não conseguindo manter um padrão saudável de relação.

Eu costumo comparar esta situação com a vivenciada pelos médicos e estudantes de medicina, que, com muito medo de se identificarem com seus pacientes e verem neles suas próprias dores e ameaças de morte, tendem a “neutralizar” a figura do paciente como pessoa, tornando-o uma “coisa”, uma doença sem nome e identidade. É muito comum, no meio hospitalar, os médicos referirem-se ao “fígado do leito , em vez de falaram da D. Maria ou Sr. José (que lhes lembram sua mãe, seu pai, seus filhos ou a si mesmo) que tem um problema físico sério.

Portanto, e finalmente, acredito que é necessário aprender a ser um indivíduo, sem sombra de dúvida, mas é mais necessário ainda, aprender a ver o outro, relacionar-se com ele em sua própria individualidade sem deixar-se confundir um com o outro. O caminho para isto é um sentimento chamado EMPATIA, definido pela capacidade presente em todos nós, porém muito pouco desenvolvida, que é esta habilidade de não procurar no outro a chamada “outra metade da laranja”, pois se é uma laranja inteira, mas ser capaz de estabelecer uma verdadeira relação de diálogo nas semelhanças e diferenças que caracterizam a multiplicidade humana.

 

 

No limite da frustração

18 outubro, 2024


         Ao longo da formação de nossa personalidade, desde os primeiros momentos de vida, defrontamo-nos com duas sensações básicas: prazer (satisfação) e desprazer (insatisfação).

         A ação natural de um bebê a qualquer privação básica de suas necessidades (como comer, estar limpo, dormir, silêncio) leva, obviamente à sensação de desprazer generalizado, pois o Sistema Nervoso ainda em formação não é capaz de distinguir a fonte, a origem, deste desconforto, isto é, se está com sono, fome, frio, sujo, mal-posicionado...

         Com o desenvolvimento, a criança começa a se reconhecer no mundo através da forma como é cuidada (ou não) pela figura principal de sua vida, geralmente a mãe ou substituta e por todos aqueles que lhes servem de modelo como numa imagem refletida no espelho.

         Durante toda a infância e a adolescência (e mesmo na fase adulta) vai-se incorporando experiências de vida, através das quais se agregam valores, conceitos, atitudes até que, por volta dos 40/45 anos de idade a pessoa possa realmente chegar (ou não) ao chamado estado de “individuação”.

         Neste momento, o perceber, o sentir, o pensar e o agir podem atingir um grau tamanho de maturidade que possibilite à pessoa um real reconhecimento de si mesma.

         Estas experiências vividas, sejam elas boas ou ruins, alegres ou tristes, satisfatórias ou frustrantes, todas podem (e devem) trazer um algo a mais para ser incorporado na personalidade e permitir seu correto e amplo desenvolvimento.

         Há quem acredite que as experiências de frustração, de perda, por serem de grande intensidade, são as de melhor valia neste longo processo de aprendizagem, porém repetidas tentativas seguidas de fracasso, gerando a frustração, acabam, ao invés de ampliar a estrutura de uma personalidade, a torná-la frágil, fria, vazia, intolerante e tomadas de uma raiva enorme contra tudo e contra todos os que podem ameaçá-las de frustração.

         Todos nós considerados psicologicamente normais (embora Caetano Velloso tenha dito, com bastante propriedade, que “de perto, ninguém é normal”) apresentamos uma reação emocional bastante comum perante uma frustração: sentimos raiva, deprimimos e, depois, reequilibrados podemos elaborar a perda e crescermos com ela.

         Mas, infelizmente, para nem todo mundo é assim.

         Devido à características genéticas herdadas e à forma como se deram os primeiros anos de vida da pessoa, alguns ficam como que presos nesta fase depressiva pós frustração e chegam mesmo a desenvolver transtornos psicológicos com estas características de depressão, em que se sentem sempre culpadas pelos fracassos ou, até mesmo, vir a desenvolver doenças psicossomáticas, nas quais a angústia e a tristeza se manifestam no corpo através desde uma “simples” tireoidite até mesmo um câncer devastador.

         Outras pessoas, por outro lado, eximem-se totalmente de qualquer responsabilidade pela falha, atribuindo-a a fatores externos ou a alguém, e se fixam na raiva, apresentando um comportamento agressivo, violento, de baixa tolerância à frustração. Enfim, são pessoas que não sabem ouvir um NÃO como resposta e estão sempre prontos para se vingar daqueles que acreditam serem os causadores de sua infelicidade.

         Portanto, para não ser refém de seu auto-desconhecimento, duas atitudes são absolutamente necessárias:

         Em primeiro lugar “Conhece-te a ti mesmo”, isto é, tenha clareza suficiente de QUEM você é e quais são seus verdadeiros VALORES.

         Depois, ao conhecer alguém, antes de se atirar cegamente em um relacionamento, procure conhecer o outro, assim como você mesmo se conhece. Cuidado com as possíveis “projeções e transferências”, mecanismos psicológicos que fazem ver no outro aquilo que queremos ou tememos ver, inconscientemente, e não o que realmente é.

         Muita infelicidade e mesmo tragédias do cotidiano poderiam muito bem ser evitadas se estas observações fossem respeitadas.

 

"NEUROSE CARDÍACA"

18 outubro, 2024

 

 

RESUMO

 

Um quadro clínico que se apresenta com bastante freqüência nos consultórios médicos, particularmente após notícias divulgadas na mídia sobre pessoas que tiveram morte súbita, sem nenhum antecedente que a justificasse, é o de pessoas extremamente preocupadas com sua saúde, particularmente em relação ao Sistema Cardiovascular. Tais pessoas, dominadas pela ansiedade e medo, desenvolvem um quadro com múltiplas e obsessivas queixas somáticas ancoradas em um estado depressivo tão importante quanto suas crenças em que, de fato, estão a ponto de ter um “ataque cardíaco”.

 

 

INTRODUÇÃO 

 

A maciça presença dos critérios diagnósticos das disfunções psíquicas impostos pela Associação Americana de Psiquiatria (APA) que chegou até nós no final dos anos 80 do já século passado através da 3ª edição de seu Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (conhecido como DSM-III) foi, sem dúvida nenhuma, um grande ganho para a Psiquiatria, fornecendo, pela primeira vez, critérios diagnósticos explícitos, objetivos e bem definidos para os transtornos mentais permitindo, assim, a realização de uma enorme quantidade de pesquisas, especialmente no campo dos transtornos ansiosos e afetivos.

         Isto, no entanto, no rigor classificatório do comportamento humano, através da aplicação de Escalas e Entrevistas Estruturadas a partir do próprio Manual, levou a um abuso da utilização do DSM, agora em sua 4ª Revisão (DSM-IV TR) (1), que provocou o distanciamento na relação médico-paciente.

         Gary Tucker (7), professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Yale, aponta que como conseqüências do uso obsediante do DSM-IV no contexto psiquiátrico contemporâneo houve, principalmente a perda do contato com o paciente e com sua história; freqüentemente, o que é tratado é o diagnóstico e não o paciente e o estudo da psicopatologia tornou-se praticamente inexistente.

         Neste sentido, a crítica colocada tem como objetivo alertar ao médico em geral e ao psiquiatra em particular para o retorno à escuta do sujeito que sofre e nos procura em seu socorro.

 

UM DIAGNÓSTICO “ANTIGO” ... UM PROBLEMA ATUAL

 

         Chamo à atenção particularmente para aquele paciente que se apresenta em nossos consultórios e clinicas com ansiedade e apreensão excessivas sobre o funcionamento de seu coração, um medo incontrolável, um pavor angustiante de ter um infarto, de morrer por conta de um ataque cardíaco ou de um “derrame cerebral”.

Este fato pode surgir após a pessoa ter na realidade sofrido qualquer perturbação, até mesmo um verdadeiro ataque cardíaco, com o medo apoderando-se dela em um receio constante de uma nova recaída, mas também se verifica, principalmente, em pessoas que nunca sofreram de doenças do coração.

 O paciente queixa-se de dor ou sensação de aperto no peito, dores no braço esquerdo, palpitações, dificuldades respiratórias, letargia (sensação de cansaço, sonolência, falta de energia). Passa a evitar qualquer esforço (inclusive atividades físicas importantes para sua saúde), mede frequentemente a sua pulsação, assusta-se com eventuais extrassístoles, insiste em medir a pressão arterial diariamente (chega até a comprar aparelhos digitais “caseiros” para certificar-se de que apresenta níveis pressóricos normais), sente-se incapacitado para o trabalho, vivendo sempre com medo de que os sintomas se intensifiquem e possam desencadear um ataque cardíaco fatal. (5,8)

Mesmo que exaustivos e repetidos exames clínicos e laboratoriais demonstrem que não há nada de errado concretamente, estas pessoas estão em permanente estado de hipervigilância, sobressaltando-se quando tomam conhecimento de alguém que teve “morte súbita” ou quando ouvem notícias de pessoas que sequer conheciam e que, embora nada sentissem antes, morreram “logo após um rigoroso check-up”!

Aos sintomas físicos persistentes são associados (ainda que inconscientemente) a fatores de ansiedade, depressão e, mesmo, pensamentos obsessivos, o que leva o paciente a um grande sofrimento psicológico.

O quadro tem certa cronicidade e pode apresentar eventualmente picos de agudização, como ataques de pânico, distinguindo-se do “Transtorno do Pânico”, no qual a característica diagnóstica é o estado mais comum de normalidade com repetidos ataques de pânico (repentinos, “vindos do nada”) e a presença ou não do medo de vir a ter uma nova crise (Agorafobia).

Este quadro, antes da presença do DSM era chamada de “Neurose Cardíaca” e hoje, dada à complexidade e multiplicidade de disfunções psíquicas presentes recebe vários diagnósticos associados como “Transtorno Somatoforme” + “Transtorno da Ansiedade Generalizada” + `”Transtorno do Humor” + “Transtorno obsessivo compulsivo” e, até mesmo, o próprio “Transtorno de Pânico”.

Ainda que pesem os elementos estressantes do cotidiano e as condições psicossociais do paciente, há, sem dúvida, um componente biológico na origem de toda esta sintomatologia.

O próprio Freud, pai da Psicanálise, já alertava há quase cem anos para uma possível causa orgânica para todas as neuroses (4), fato que muitas vezes é ignorado até por psicanalistas.

Naquela época, salientava Freud, ainda não havia recursos na Medicina para explicar estes fenômenos, mas hoje sabemos que sua origem deve-se ao déficit de certas catecolaminas em determinados sítios cerebrais. E, dentre as diversas catecolaminas ou neurotransmissores já identificados a Serotonina é a principal responsável pela origem biológica deste conjunto de disfunções.

 

TRATAMENTO

 

Portanto, cabe ao médico assistente de um paciente em tamanho sofrimento saber como lidar com esta situação, não apenas atuando como fonte de apoio através dos sentimentos de humanidade, empatia e comprometimento (2), mas, principalmente, indicar a medicação mais adequada para o tratamento deste complexo quadro clínico.

A prescrição medicamentosa habitualmente utilizada pelos clínicos é a de benzodiazepínicos que, sabe-se, têm efeitos secundários adversos, incluindo o aumento da situação depressiva apresentada pelo paciente e, devido à cronicidade do quadro e a tolerância ao medicamento (diminuição progressiva da susceptibilidade aos efeitos de um fármaco, em conseqüência de sua administração contínua) exige doses cada vez maiores – aumentadas até por conta do próprio paciente- com maiores risco e pouco sucesso na resolução do problema.

 Indica-se, então, para tais casos, a prescrição de Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina (ISRS),  por agirem em vários locais do cerebro responsáveis pelo desencadeamento da ansiedade, depressão, pensamentos obsessivos e atos compulsivos, causados exatamente pela diminuição da oferta de Serotonina nas fendas sinápticas.

 Este efeito terapêutico é conseqüência de um aumento funcional dos neurotransmissores na fenda sináptica (espaço entre um neurônio e outro), principalmente da Serotonina (5HT), bem como alteração no número e sensibilidade dos neuroreceptores. O aumento de neurotransmissores na fenda sináptica se da através do bloqueio da recaptação desses neurotransmissores no neurônio pré-sináptico (neurônio anterior), facilitando a transmissão do impulso nervoso.

 

CONCLUSÃO

 

Em vista de todas estas observações, cabe, então, o alerta ao clínico em geral e ao psiquiatra em particular, para que mantenham um “olhar” atencioso ao paciente que, ao invés de ser tratado com o desprezo de um hipocondríaco é, na verdade, vítima de um estresse depressivo que lhe causa profundos danos em sua vida social, afetiva e profissional, necessitando de acolhimento e ajuda terapêutica.

Sugiro, como uma pequena reflexão sobre a complexidade deste quadro clínico, a leitura de uma velha lenda árabe que conta:

 

"Certa vez se dirigia a Peste à Bagdá.

Um peregrino pergunta-lhe no caminho:

- Para onde vais, ó Peste?

-Vou a Bagdá matar 5000 pessoas, respondeu-lhe a Peste.

Dias depois, novo encontro...

Pergunta o mesmo peregrino:

-Por que me mentisse ao dizer que irias matar somente 5000 pessoas, ó Peste? Morreram 50.000 criaturas em Bagdá...

- O que disse, isso fiz. Só matei 5000. O resto morreu de medo - respondeu a Peste, com um gesto significativo."

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

1. AMERICAN PSYCHIATRIC ASOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 4ª edição. DSM-IV-TR. : ARTMED; 2002.

2. FERREIRA-SANTOS, E. Psicoterapia Breve: abordagem sistematizada de situações de crise. : Ágora, 4ª Edição, 1997

 

 3.FUMARK, T.; TILLFORS, M.; Marteinsdottir, I. et al. - Common Changes in Cerebral Flow in Patients with Social Phobia Treated with Citalopram or Cognitive-behavioral Therapy. Arch Gen Psychiatry 59(5): 425-33, 2002

4. FREUD, S.(1926) Inibições, sintomas e angústia. In: Obras psicológicas completas: Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

5. MARKER CD; CARMIN CN. Cardiac anxiety in people with and without coronary atherosclerosis. Depress Anxiety; 25(10):824-31, 2008

 

6. MULLINS CD; SHAYA FT; MENG F; WANG J; HARRISON D. - Persistence, switching, and discontinuation rates among patients receiving sertraline, paroxetine, and citalopram. Pharmacotherapy; 25(5):660-7, 2005 May.

 

7. TUCKER G J - Putting DSM-IV in perspective.The American journal of psychiatry. 01/03/1998; 155(2):159-61

 

8. TURAKHIA MP; GRUBB BP; GREGORATOS G- The irritable heart. J Hosp Med; 3(5):423-9, 2008 Sep

 

Vínculo Perverso

18 outubro, 2024

Já há muitos anos, desde a década de 70, vários estudiosos do comportamento humano têm dedicado uma atenção toda especial à forma como a comunicação se estabelece nas relações inter-pessoais.

Pesquisadores da Universidade de Palo Alto, na Califórnia, liderados por Don Jackson, estudou profundamente a importância de um certo padrão de comunicação apresentado por mães de pacientes com esquizofrenia, apontando uma característica comum em todas elas, que era uma forma brutalmente sutil de impedir que seus filhos adquirissem uma identidade própria e viessem a abandoná-las.

Este padrão, em linhas bem gerais, caracteriza-se pelo ato ou atos da pessoa hierarquicamente superior de constantemente emitir informações que gerem total insegurança e instabilidade em quem com ela se relaciona. Basta que, o tempo todo, diga-se ao outro que ele não existe, fazendo afirmações que refutem seus pensamentos, suas percepções, seus sentimentos.

Ao se dizer a uma criança, por exemplo, que ela não está sentindo aquilo que, de fato, ela sente, gera, em quem está na fase de formação de sua identidade uma dúvida atroz: “será que eu sinto mesmo o que estou sentindo?” “Se minha mãe diz que eu não sinto, devo, então estar sentindo errado!” “O que será que eu sinto, então?”

E as coisas se complicam bastante se levarmos em consideração que a comunicação não se dá apenas no plano verbal, mas inclui gestos e atitudes que podem confundir ainda mais. O exemplo mais marcante desta situação é a frase “eu amo muito você, venha me dar um abraço”, acompanhada de um sutil toque de afastamento da criança quando ela se aproxima para o abraço. Nem precisa ser um empurrão, basta aquele pequeno gesto de antepor os cotovelos no peito da criança, mantendo-a discretamente afastada de si.

Para “detonar” de vez com a formação da personalidade da criança, basta dizer a ela, assim que ela recue obedecendo ao gesto inconsciente de afastamento, que “você deveria perder este seu medo de me abraçar!”

Pronto! Estão aí os ingredientes cruéis que compõem a chamada comunicação patológica.

É claro que, para se desenvolver uma doença psiquiátrica séria como a esquizofrenia, outros fatores devem estar envolvidos, como a hereditariedade, por exemplo. Mas, no mínimo, muitos transtornos estarão permanentemente inscritos na personalidade de quem se desenvolve em um meio com este padrão de relação.

Quando mais tarde, já adulto e estabelecendo relações afetivas, estas “marcas” podem voltar a se manifestar de forma absolutamente importantes, gerando toda uma sorte de desencontros relacionais.

A psiquiatra francesa Marie-France Hirigoyen, acaba de denunciar este padrão de comportamento em relações afetivas e relações de trabalho, ressuscitando os antigos conceitos do pessoal de Palo Alto (sem, no entanto, citá-los) chamando-o de “assédio moral”.

Trata-se de situações do cotidiano das relações afetivas em que um dos companheiros acaba por levar o outro “à loucura” através de simples manipulações, mentiras ou falta de respeito pelo outro.

E, quanto mais dissimuladas forem estas ações, quanto mais revestidas de cinismo e hipocrisia, mais o outro se vê enroscado em uma verdadeira teia de aranha, sem nenhuma saída que não seja a própria “loucura” ou a depressão.

Não é nada incomum ouvirmos queixas de pacientes de psicoterapia sobre esta verdadeira “tortura psicológica” a que são submetidos por seus parceiros ou chefes de trabalho. Quando tentam reagir por conta própria, angustiados e no limite ultrapassado da tolerância, acabam por fazê-lo de forma pouco hábil, o que reforça a convicção do outro e dos outros ao redor de que, de fato, são elas mesmas as pessoas “desequilibradas”.

O agente destas ações perversas não age assim por pura maldade, mas sim porque ele mesmo foi vítima deste comportamento e aprendeu a se relacionar defendendo-se com agressividade inconscientemente e está convicto de que age de forma certa e coerente.

A “vitima”, por seu lado, também vem de uma formação em que este tipo de relação era o habitual e deixa-se envolver com facilidade pois foi assim que aprendeu a se relacionar.

Agressor e vítima formam, então, um par complementar neurótico, simbiótico, no qual ambos sustentam sua relação nesta verdadeira “folie a deux” (loucura a dois) que não termina nem mesmo com a separação do casal, pois, principalmente se há filhos, será exercida através deles esta perversidade, dando início a um novo ciclo que será repetido por estas crianças e seus descendentes...